Você está visualizando atualmente Frete sobe 70% com colheita estrangulada e logística insuficiente

Frete sobe 70% com colheita estrangulada e logística insuficiente

Dólar alto fomenta exportações e reajuste no preço do diesel também pressionam escoamento da safra em Mato Grosso, apontam especialistas

O impacto da combinação de atrasos no plantio e na colheita de uma safra recorde de soja – superior a 170 milhões de toneladas – com a infraestrutura insuficiente para escoamento e a valorização do dólar, próximo a R$ 6,00, resultou em um aumento expressivo nos custos dos fretes rodoviários. Nas últimas duas semanas, o preço do transporte subiu mais de 70% em algumas rotas a partir de Mato Grosso.

A expectativa dos analistas é que essa alta continue ao longo de fevereiro, podendo dobrar em relação aos valores praticados em janeiro.

Mato Grosso, maior produtor de grãos do país, enfrentou atrasos na semeadura devido à seca. No entanto, as chuvas que favoreceram o desenvolvimento das lavouras persistiram até fevereiro, dificultando a colheita da oleaginosa. Como o plantio do milho segunda safra ocorre quase simultaneamente à colheita da soja, o ritmo acelerado no Estado se intensificou diante da janela curta para a semeadura.

Uma alternativa para mitigar os altos custos dos fretes seria a armazenagem da produção nas propriedades rurais. No entanto, segundo o Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, a capacidade de estocagem nas fazendas corresponde a apenas 15% da necessidade total. Somando-se toda a estrutura de armazenamento disponível, incluindo cerealistas, tradings e empresas, essa capacidade atinge 65% da safra.

Diante desse cenário e da valorização do dólar, a solução encontrada pelos produtores tem sido o transporte imediato da soja para exportadoras e portos situados a milhares de quilômetros das principais regiões produtoras. A escassez de caminhões e o aumento da demanda impulsionaram ainda mais os preços dos fretes, especialmente nas últimas semanas.

“O atraso no plantio já indicava um cenário de pressão sobre os fretes, e a colheita também atrasada apenas intensificou essa situação”, afirmou Fernando Pauli de Bastiani, pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log).

Levantamento da Esalq-Log apontou que, na última semana, os valores subiram entre 20% e 30% em comparação ao início de janeiro. “Há rotas em que o preço pode praticamente dobrar até o final de fevereiro”, destacou Bastiani.

Uma das rotas mais onerosas, entre Sorriso (MT) e Santos (SP), registrou aumento significativo: em janeiro, o transporte da tonelada custava entre R$ 330 e R$ 340. Atualmente, o valor está próximo a R$ 500, podendo chegar a R$ 600 por tonelada nos próximos dias.

O custo do frete também foi impactado pela alta do diesel, que representa cerca de 50% do valor total do transporte. Com um reajuste nas refinarias de R$ 0,22 por litro e aumento do ICMS, o preço do combustível subiu, adicionando cerca de 5% ao custo do frete – um incremento modesto diante da pressão exercida pela demanda elevada por caminhões.

Para Bastiani, com a forte demanda por exportação e uma expectativa de grande oferta de milho, a redução na busca por transporte entre a primeira e a segunda safra deve ser mínima. Dessa forma, os preços dos fretes devem permanecer elevados até junho ou julho.

O contexto atual difere substancialmente da safra 2023/2024, quando a produção foi menor, a colheita mais espaçada e o dólar ficou abaixo de R$ 5. Com menor procura por transporte, os gargalos logísticos foram menos expressivos.

“Neste ano, com a colheita atrasada e o dólar próximo de R$ 6, há relatos de navios atracados nos portos de Paranaguá e Santos aguardando a chegada dos caminhões com a safra. Esse atraso gera mais custos e contribui para os gargalos logísticos”, acrescentou Bastiani.

João Petrini, especialista em logística e fertilizantes da Argus, corrobora a análise e atribui a elevação nos fretes principalmente ao atraso no plantio e na colheita da soja em Mato Grosso, além da alta no preço do diesel.

Dados da Argus revelam que, em apenas duas semanas, o frete entre Sorriso e Rondonópolis aumentou 73,7%, passando de R$ 118 para R$ 205 por tonelada. Uma alta semelhante ocorreu na rota entre Querência (MT) e Rio Verde (GO), onde o valor subiu 73,9%, de R$ 138 para R$ 240 por tonelada.

“A elevação no trecho Sorriso-Rondonópolis pode estar relacionada à urgência no cumprimento de contratos e à necessidade de atendimento rápido no terminal da Rumo”, explicou Petrini.

Outros fatores que pressionam os preços incluem a concorrência entre os corredores logísticos que ligam Sorriso e Sinop ao terminal de Miritituba (PA) e a Rondonópolis aos portos do Sul e Sudeste. Além disso, estados produtores como Goiás e Mato Grosso do Sul também aumentaram a demanda por transporte.

“Questões como o tempo de descarga nos portos, especialmente em Miritituba, e congestionamentos em Santos contribuem para o encarecimento do frete”, detalhou Petrini.

O aumento no custo do transporte também afetou os preços dos fretes de fertilizantes, insumo essencial para a produção agrícola. Como esses produtos são importados e transportados pelos mesmos caminhões que levam soja e grãos aos portos, a alta nos fretes rodoviários tem um impacto significativo na logística desses insumos.

“Em alguns casos, os caminhoneiros optam por retornar vazios às regiões produtoras, pois o frete para fertilizantes não se mostra atrativo”, concluiu Petrini.

Realidade recorrente

Com vasta experiência no setor, Edeon Vaz Ferreira, presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Ministério da Agricultura e do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, considera esse cenário previsível.

“Quase todo início de safra ocorre essa situação: faltam caminhões, há excesso de carga e, neste ano, a colheita está concentrada em um período curto”, afirmou.

Ferreira lembra que, ao contrário dos modais ferroviário e hidroviário, que operam por meio de contratos de longo prazo, o transporte rodoviário é contratado sob demanda, o que contribui para as oscilações nos preços dos fretes.

Uma possível solução para minimizar essas variações seria o aumento da capacidade de armazenamento nas fazendas. Ferreira destaca que o Plano de Construção de Armazéns (PCA) poderia incentivar esse avanço, mas ressalta que os prazos de financiamento, apesar dos juros subsidiados, ainda são curtos para um investimento de grande porte.

Impacto no setor ferroviário

Enquanto os fretes rodoviários disparam, o setor ferroviário deve se beneficiar desse cenário. A Rumo Logística, operadora ferroviária com terminal em Rondonópolis (MT), é uma das principais apostas do mercado de logística na B3.

Relatório recente do BTG Pactual aponta que a companhia tem se fortalecido com a valorização dos fretes rodoviários, o aumento na produção de soja e a alta nos combustíveis, fatores que tornam o transporte ferroviário mais competitivo.

Fonte: informações da AgFeed.