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A cobrança de sobre-estadia (demurrage) no transporte marítimo foi tema de audiência pública na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, realizada nesta quinta (12). O debate, proposto pelo dep. Cezinha de Madureira (PSD-SP), trouxe à tona os impactos econômicos que esse tema tem gerado.

 “Temos a responsabilidade de debater temas que trazem tanto prejuízo aos empresários e, consequentemente, à população brasileira”, afirmou.

Aumento de denúncias e falhas estruturais
A diretora da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Flávia Takafashi, apresentou dados que evidenciam o agravamento do problema. Em 2024, houve um aumento de 81% nas denúncias relacionadas a cobranças indevidas de sobre-estadia, em comparação com o ano anterior. Atualmente, a agência recebe, em média, 45 denúncias por mês. Além disso, entre 2024 e 2025, foi registrado um crescimento de 300% nos processos ligados à logística de contêineres.

Takafashi detalhou que as principais reclamações se concentram em três pontos: indisponibilidade de janelas para agendamento nos terminais portuários, ausência de depósitos adequados para devolução de contêineres vazios e cobrança de demurrage mesmo quando o atraso decorre de fatores fora do controle do usuário. “É inaceitável cobrar do exportador ou importador por falhas logísticas das transportadoras ou dos terminais”, afirmou.

Segundo a diretora, a Antaq está em fase avançada na análise de uma proposta de regulamentação sobre o tema. “Concluímos a instrução técnica e o processo já está na diretoria colegiada. Sou a relatora e a pauta deve ser levada a julgamento em julho”, informou.

Falta de infraestrutura e judicialização crescente
Outro ponto levantado por Takafashi foi a sobrecarga estrutural de terminais portuários, especialmente desde o final de 2023. “Temos observado omissões de escala e ausência de infraestrutura nos terminais e depósitos de vazios, o que impacta tanto exportações quanto importações”, explicou. A diretora citou como referência a atuação da Federal Maritime Commission (FMC), dos Estados Unidos, que regulamentou a demurrage com base no princípio da razoabilidade, condicionando sua cobrança à efetiva indução à devolução do contêiner.

O deputado Cezinha de Madureira criticou a lentidão da agência reguladora e a atuação da Receita Federal, citando greves e cobranças retroativas como fatores de insegurança jurídica. “O empresário ainda precisa contratar advogado para contestar uma cobrança abusiva. Isso é uma insegurança jurídica absurda”, afirmou.

Abusos e distorções contratuais
A especialista em Direito Marítimo pela International Maritime Law Institute (IMLI), Ingrid Zanella, destacou os efeitos jurídicos e econômicos da atual ausência de regulamentação. Segundo ela, a demurrage tem sido aplicada sem critério, com cláusulas contratuais de adesão e valores que, muitas vezes, ultrapassam o próprio valor da carga transportada. “Isso transforma uma penalidade em fonte de receita e contraria a função social dos contratos”, criticou.

Zanella também citou a Resolução nº 62 da Antaq, que já prevê a suspensão da sobre-estadia em casos fortuitos ou de força maior. “Essas exceções precisam ser aplicadas com mais clareza e efetividade, para evitar a transferência indevida de riscos aos usuários”, ressaltou.

Reivindicações do setor privado
Everton Wutke, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (ABECE), chamou atenção para a assimetria de responsabilidades. “Tudo recai sobre o exportador. E quando a operação envolve uma empresa internacional, os prejuízos são compartilhados. A falta de regulação sufoca o Judiciário com disputas que poderiam ser evitadas”, disse.

Luciano Adolfo, membro do comitê jurídico da mesma entidade, defendeu a necessidade de regulamentação da Antaq e, futuramente, de um marco legal específico.

Leonardo Gonoring, assessor jurídico do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (SINDIEX), reforçou a urgência de medidas efetivas. “O atraso nos portos gerou um custo adicional de 2,3 bilhões de dólares em 2024. A cobrança, muitas vezes, é maior que o valor da mercadoria”, afirmou.

O deputado Cezinha de Madureira lembrou que quem pagou a conta dos 2,3 bilhões foram os empresários e a população brasileira.

Camila Cardoso, advogada do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), comentou sobre os custos. Segundo ela, os valores cobrados estão disponíveis nos sites das companhias. “Se o Brasil adotar valores muito diferentes dos praticados internacionalmente, isso terá impacto direto no custo dos produtos. Precisamos considerar também fatores externos, como greves. O problema não é tão simples quanto parece”, pontuou.

Ao final da audiência, Flávia Takafashi reafirmou o compromisso da Antaq com a regulamentação do tema. “A agência trata a questão com responsabilidade e permanece à disposição para esclarecer todos os pontos”, disse. Os questionamentos apresentados durante a audiência serão respondidos por escrito à comissão da Câmara.

O deputado Cezinha de Madureira informou que já elabora um projeto de lei sobre o tema. “Se não houver uma regulamentação adequada por parte da Antaq, a Câmara dos Deputados vai assumir a responsabilidade e aprovar uma legislação para solucionar a questão”, concluiu.

Fotografia: banco de imagens da Câmara dos Deputados.