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O Brasil estabeleceu uma meta ousada para 2050: eliminar as emissões de carbono do setor de transporte. Um dos pilares dessa transformação é a eletrificação dos mais de 100 mil ônibus urbanos que transportam milhões de pessoas diariamente.

Desde 2020, o país quase quintuplicou o número de coletivos elétricos, e uma nova indústria nacional começa a se consolidar para atender à demanda interna e, futuramente, exportar. No entanto, o caminho é mais desafiador do que se imaginava — revelando os obstáculos típicos da transição energética.

Avanços e desafios: o caso de São Paulo

São Paulo é o principal motor da eletrificação no país. Dos 1.017 ônibus elétricos em circulação, 728 operam na capital paulista, que planeja alcançar 2.600 unidades nos próximos anos — o equivalente a 20% da frota. A cidade tem como meta zerar as emissões do transporte até 2038.

Para viabilizar a troca, a prefeitura subsidia dois terços do custo de cada ônibus elétrico. As empresas arcam com o restante, equivalente ao preço de um modelo a diesel. Apesar do incentivo, a implementação enfrenta gargalos. Um exemplo é a Mobibrasil, que investiu R$ 6 milhões em infraestrutura, mas teve de esperar meses para operar seus veículos devido à falta de energia elétrica na garagem.

O fornecimento de energia é um entrave logístico. A Enel, concessionária responsável, justifica os atrasos com a complexidade da adaptação da rede sem comprometer o abastecimento local. A empresa afirma ter realizado 21 ligações elétricas entre 2024 e abril de 2025 e promete mais 14 até o fim do ano.

Outro desafio está na operação. Ao contrário do diesel, que garante até dois dias de uso com um único abastecimento, os elétricos têm autonomia de 200 km e levam cerca de 3 horas para recarregar. Como solução, cidades como Curitiba e Salvador planejam instalar pontos de recarga ao longo das rotas, reduzindo a dependência das garagens e facilitando a logística de operação dos veículos.

Impacto econômico e social

Segundo estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a transição pode trazer benefícios expressivos: R$ 300 bilhões em crescimento econômico e mais de 500 mil empregos até 2050. O investimento estimado é de R$ 390 bilhões — equivalente a apenas 0,2% do PIB ao ano.

A cadeia de produção dos ônibus elétricos possui alto efeito multiplicador. A cada emprego direto, seriam criados 21 empregos indiretos. E cada real gerado poderia resultar em R$ 5,96 na economia. O cenário mais otimista prevê exportações para América Latina e uma cadeia produtiva nacional fortalecida, o que também exige uma logística eficiente entre fornecedores, montadoras e operadores.

Esforços nacionais e novas estratégias

Além de São Paulo, outras cidades avançam com estratégias próprias. Salvador inaugurou um eletroterminal com capacidade para carregar 20 ônibus simultaneamente e pretende operar 100 unidades nos próximos meses. Já São José dos Campos adotou um modelo inédito de aluguel de 400 ônibus elétricos, com início das entregas previsto para setembro.

O governo federal também se movimenta. Com o programa Refrota, serão destinados R$ 6 bilhões para a aquisição de 2.296 ônibus elétricos. Financiamentos com BNDES, Caixa e Banco do Brasil estão viabilizando os projetos locais. A logística de financiamento e distribuição desses veículos será crucial para que os prazos e metas sejam cumpridos.

Indústria em crescimento

Fabricantes se posicionam para atender à crescente demanda. A brasileira Eletra, que já opera mais de 600 veículos, projeta produzir até 25 mil unidades por ano até 2028. A chinesa BYD, com 90 ônibus no Brasil, pretende vender entre 2 mil e 4 mil veículos anualmente. A Volkswagen, que lançará seu modelo em 2025, aposta em suas parcerias tradicionais para competir.

Táticas como treinamentos gratuitos, manutenção inclusa no primeiro ano e maior facilidade de conserto fazem parte da disputa de mercado. Além disso, os elétricos, com menos peças que os modelos a diesel, prometem manutenção mais simples e barata.

Apesar da evolução tecnológica, especialistas alertam: o preço dos ônibus elétricos não deve cair no curto prazo, já que muitas montadoras estão operando com margens apertadas para ganhar mercado. Ainda assim, os custos devem diminuir com o tempo graças a avanços em baterias e carregadores.

Oportunidade para o Brasil

Hoje, o Brasil tem apenas 0,48 ônibus elétrico por 100 mil habitantes — bem abaixo de países como China (39,3) e Chile (13,5). Mesmo assim, há otimismo no setor. Com tecnologia mais madura, apoio governamental e pressão social por soluções sustentáveis, a eletrificação da frota é vista como inevitável.

Para que o plano avance, será necessário um esforço coordenado entre governos, setor produtivo e sociedade civil. Além de investimentos e tecnologia, a logística integrada — desde a produção até a operação — será peça-chave no sucesso dessa transição. A oportunidade está posta: menos poluição, mais empregos, desenvolvimento industrial e um futuro mais limpo e silencioso.

Fonte: com informações da Revista Exame.