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Os investimentos em infraestrutura vão crescer 15% em 2024 e fechar o ano em R$ 259,3 bilhões, sendo R$ 197,1 bilhões provenientes de recursos privados e R$ 62,2 bilhões de recursos públicos das três esferas de poder – federal, estadual e municipal. A projeção é da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), que está na fase final de elaboração do “Livro Azul da Infraestrutura”, aguardado balanço anual do setor, programado para ser divulgado no fim de novembro.

“Os valores são recordes. O pico anterior de investimentos ocorreu em 2014, com R$ 239,7 bilhões a preços de hoje”, diz Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib.

Em 2024, a estimativa de investimentos em transportes e logística soma R$ 63 bilhões, o que representará uma expansão de 52,17% em relação a 2023. Os recursos destinados a empreendimentos de energia elétrica devem apresentar um crescimento de 27,3% no ano, para R$ 119,3 bilhões. Em boa parte, o aumento é resultado de sucessivos leilões de transmissão de energia, que desde 2022 contrataram investimentos de R$ 77,5 bilhões.

Na área de saneamento básico, os efeitos do novo marco legal (Lei no 14.026/2020) já se fazem presentes. Os investimentos anuais em água e esgoto devem saltar de R$ 17 bilhões em 2020 para R$ 34 bilhões em 2024, o dobro. Em relação a 2023, o crescimento projetado no ano é de 26,9%.

A única infraestrutura em que os investimentos devem recuar é a de telecomunicações, com R$ 43 bilhões no ano, uma queda de 16,34% em relação a 2023. “Telecomunicação é uma atividade já madura, em que os investimentos privados foram intensos nas últimas décadas”, diz Tadini.

Nas contas da Abdib, os investimentos em infraestrutura devem representar 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2024. É um avanço em relação ao 1,99% do PIB registrado em 2023, mas ainda está muito distante do patamar anual de 4,3% do PIB, avaliado pela associação como o necessário para equipar o país com a infraestrutura adequada para seu desenvolvimento no prazo de 30 anos.

A expectativa, porém, é de continuidade na trajetória de expansão dos investimentos nos próximos anos. Segundo levantamento da Abdib, os leilões de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) em infraestrutura previstos para ocorrer em 30 meses a partir de setembro de 2024 devem proporcionar R$ 300 bilhões em obras de saneamento, energia elétrica, logística e mobilidade urbana.

Para Tadini, o país vive um ambiente propício para a expansão dos investimentos. “Pela primeira vez na história, hoje temos à disposição fontes diversificadas de recursos para financiar os projetos, como bancos de fomento nacionais e internacionais e o mercado de capitais”, diz.

Um exemplo é a retomada da capacidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No fim do primeiro semestre do ano, a carteira de crédito do banco de fomento alcançou R$ 530,2 bilhões, a maior nos últimos seis anos. Nos primeiros seis meses do ano, as aprovações de crédito do banco para projetos de infraestrutura somaram R$ 26,3 bilhões, uma expansão de 66% em relação ao mesmo período de 2023.

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No mercado de capitais, as captações de debêntures incentivadas entre janeiro e agosto foram recordes, somando R$ 88,2 bilhões, volume 30% maior do que o verificado em todo o ano de 2023 – sendo R$ 71,37 bilhões do setor de infraestrutura, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Até setembro, as emissões somavam R$ 96 bilhões no ano.

No setor público, a substituição do antigo teto de gastos pelo novo arcabouço fiscal gerou folga no orçamento federal para investir. A despesa pública em infraestrutura, após cair continuamente desde 2014 até se limitar a R$ 34,9 bilhões em 2022, voltou a crescer em 2023, quando alcançou R$ 52,3 bilhões, e em 2024 chega a R$ 62,2 bilhões.

Para gerar um horizonte aos investimentos no país e incentivar uma união de esforços públicos e privados, o governo lançou em 2023 o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), que prevê R$ 1,7 trilhão em investimentos, sendo por volta de R$ 625 bilhões em transportes e logística, energia elétrica e saneamento. Os recursos do Orçamento Geral da União (OGU) previstos para o total do PAC 3 somam R$ 371 bilhões.

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A capacidade da União em efetivar sua parte dos investimentos, porém, é vista com desconfiança devido à contínua expansão das despesas obrigatórias no orçamento, que já respondem por 92% dos gastos totais. Para os próximos anos, as despesas com saúde, educação e Previdência deverão tomar uma fatia ainda maior do Orçamento, reduzindo a disponibilidade de recursos para a infraestrutura. Problema que já é admitido pela ministra do Planejamento, Simone Tebet.

As restrições orçamentárias não são o único entrave para a expansão dos investimentos. “Temos uma série de obstáculos estruturais que precisam ser enfrentados”, diz Cláudio Frischtak, sócio-fundador da Inter.B Consultoria, para quem a insegurança jurídica é um dos principais problemas. Uma situação comum é a imprevisibilidade sobre a decisão judicial em questionamentos de condições contratuais de concessões e PPPs após mudanças de governo. Ou ameaças de questionamento na Justiça de privatizações aprovadas no Congresso Nacional, como a tentativa em 2023 do atual governo de reverter a venda de ações da Eletrobras.

Outro obstáculo é a imprevisibilidade regulatória, com um grande grau de pressão política sobre as agências reguladoras. Exemplos são as propostas recorrentes de controle das agências pelos ministérios e a tentativa de alinhar o mandato dos gestores das agências ao da Presidência da República, que passaria a ter maior influência sobre as decisões de um órgão que não é do governo, mas do Estado. A fragilização das agências também ocorre pela falta de reposição adequada de seus quadros, o que reduz a eficiência e a agilidade dos trâmites. “O investidor, principalmente o estrangeiro, presta muita atenção a esse estado de insegurança a que são submetidos os investimentos no país”, diz Frischtak.

Quando não afasta o investidor, a insegurança jurídica e regulatória reduz o valor de outorga pago ao poder concedente e aumenta os custos aos usuários dos serviços concedidos. “Se o investidor não tem certeza de que seu contrato será cumprido, precifica. Estabelece um valor adicional em suas propostas contratuais para cobrir eventuais prejuízos”, diz o advogado Bruno Aurélio, sócio-especialista em infraestrutura e questões regulatórias do escritório Demarest. “O investidor sente a necessidade de estabelecer taxas de retorno financeiro maiores em seus contratos no Brasil do que o faria em países como o Canadá.”

Frischtak avalia que o Brasil poderia reduzir o risco do investimento e atrair mais capital estrangeiro para a infraestrutura se aderisse às diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): “Seria uma demonstração de compromisso do país com padrões aceitos globalmente de governança, transparência e comportamento econômico”.

Outra medida que poderia atrair investimentos, na opinião do consultor, é a renovação do arcabouço legal das diversas atividades de infraestrutura no país, como ocorreu no setor de saneamento, com o marco legal de 2020, que estabeleceu prazos para a universalização dos serviços de água e esgoto e motivou o poder público concedente dos serviços a buscar parcerias com a iniciativa privada para efetivar as obras necessárias.

“Sem enfrentar os problemas estruturais, a taxa de investimentos em infraestrutura continuará estagnada na casa dos 2% do PIB”, comenta Frischtak. Ele diz que atualmente o estoque de capital empregado em infraestrutura está na casa de 36% do PIB, quando a necessidade do país seria da ordem de 60% do PIB – e a ampliação do estoque de capital em infraestrutura teria o benefício de aumentar o potencial de crescimento econômico não inflacionário.

A Inter.B também organiza anualmente um balanço de investimentos que é referência no setor, a Carta de Infraestrutura. A edição com o balanço de 2024 ainda não está pronta. Frischtak, no entanto, trabalha com uma projeção menos otimista do que a apresentada pela Abdib. O consultor parte de um patamar menor de investimentos em 2023, da ordem de R$ 194,1 bilhões. Nos cálculos preliminares da Inter.B, realizados em agosto, os investimentos vão crescer por volta de 10% no ano e chegar a R$ 212,7 bilhões em 2024, sendo R$ 70,7 bilhões em recursos públicos e R$ 142 bilhões privados. Vão representar 1,85% do PIB do ano. “Estamos avançando, mas ainda estamos longe do necessário, que seria um investimento anual entre 4% e 4,5% do PIB”, afirma Frischtak.

Fonte: Valor Econômico