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Decisões judiciais favorecem regularidade na cobrança do SSE

Objeto de controvérsias nos últimos 20 anos, decisões judiciais recentes apontam para a legalidade da cobrança do SSE (Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres) nos portos brasileiros.

Com efeito, decisões recentes no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) favorecem o entendimento de que a cobrança é regular. Proximamente, o Conselho Administrativo da Defesa Econômica (CADE), vai se debruçar sobre o tema, já com essas decisões judiciais em mãos.

Sobre o assunto, o advogado Myller Kairo Coelho de Mesquita escreveu minuciosa análise, inicialmente publicada pelo Jornal Portuário, e reproduzido pelo portal do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), de elevada importância para o entendimento da questão.

Portanto, com o objetivo de contribuir ainda mais para a compreensão do tema, o portal da Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura (Frenlogi) reproduz integralmente o artigo. 

“Judiciário legitima o SSE/THC2 em momento decisivo no CADE

 Myller Kairo Coelho de Mesquita* 

Em momento decisivo no CADE, decisões judiciais recentes reconhecem a legitimidade regulatória, civil e concorrencial do serviço de segregação e entrega de contêineres – SSE (por vezes, equivocadamente, chamado de THC2). Em breve, o Plenário voltará a sua atenção ao tema no julgamento de um processo administrativo, cujo resultado pode alterar a atual posição contrária à cobrança do serviço.

O SSE é cobrado do recinto alfandegado retroportuário (ou de outro terminal portuário), quando – utilizando-se do regime especial de trânsito aduaneiro – solicita ao operador portuário que determinado contêiner lhe seja entregue para armazenagem. A cobrança é a contrapartida do benefício auferido com o fluxo próprio e célere de movimentação de cargas, o que demanda equipamentos, infraestrutura portuária e mão-de-obra especializados.

Desse modo, prestado na importação de mercadorias, o SSE é diferenciado e complementar aos serviços básicos fornecidos pelos operadores portuários, que consistem na retirada do contêiner do navio e no deslocamento para uma área de pilha comum no pátio do porto (movimentação vertical).

Aliás, para fazer frente à movimentação vertical do contêiner, o armador (empresa de navegação) cobra do importador a rubrica regulatória THC (Terminal Handling Charge). Por sua vez, essa movimentação é paga pelo armador do navio ao operador portuário, por meio da rubrica Box Rate, jargão regulatório que compreende a cesta de serviços básicos fornecidos pelos terminais portuários.

Catálogo da Indústria Marítima

A lógica regulatória que determina a cobrança diferenciada de serviços básicos daqueles considerados adicionais tem como fundamento a necessidade de evitar que existam indevidos subsídios cruzados, o que levaria à injusta situação de um usuário do serviço portuário ser obrigado a custear o serviço realizado em benefício de outro usuário.

Tal situação ocorreria, por exemplo, se o serviço de segregação e entrega (utilizado por alguns usuários) fosse incluído na Box Rate/THC, que cobre um serviço comum de descarga de contêineres de um navio na importação.

Atualmente, a Antaq regula o SSE por meio da RN nº 34/2019. No entanto, a posição da agência acerca da legalidade da cobrança já estava, entre outros pronunciamentos anteriores, consolidada na RN nº 2.389/2012 e no Acórdão nº 13/2010, que reafirmou acórdão de 2005.

Assim, sempre condicionada à efetiva prestação, a cobrança do SSE decorre do exercício regular do contrato de arrendamento portuário, no caso de terminal arrendado, ou do contrato de adesão, tratando-se de terminal privado.

Apesar do robusto lastro regulatório, curiosamente, o serviço de segregação e entrega tem gerado uma intensa batalha jurídica. E não é de hoje. Já se vão 20 (vinte) anos de disputa envolvendo CADE, Antaq e Poder Judiciário.

Contudo, o embate entrou em uma nova fase diante das decisões judiciais mais recentes que conferem estabilidade jurídica ao SSE.

Do ponto de vista regulatório, há duas novidades importantes. A primeira diz respeito à apreciação judicial da RN nº 34/2019 e a segunda decorre do julgamento do AREsp nº 1.441.228/SP pelo STJ.

Embora tenha sido recentemente editada, a RN nº 34/2019 já foi objeto de judicialização pelos terminais retroportuários alfandegados. Em janeiro de 2020, foram ajuizadas, quase simultaneamente, 5 (cinco) ações anulatórias contra a resolução tanto no âmbito do TRF da 1º Região quanto do TRF da 3ª Região.

Em quatro dessas ações, o pedido liminar com o objetivo de afastar a validade da norma já foi negado. Assim decidiu o Juízo da 14ª Vara Federal da SJDF, em três ações, bem como o Juízo da 3º Vara Federal de Santos/SP em outra. A quinta ação ainda aguarda a apreciação judicial.

Em junho, a decisão proferida pela Justiça Federal de Santos/SP foi mantida pela Desembargadora Federal Diva Malerbi ao analisar Agravo de Instrumento nº 5006342-19.2020.4.03.0000.

Em 25/08/2020, ocorreu outro fato relevante na discussão do SSE. Nesse dia, o STJ certificou o trânsito em julgado do AREsp nº 1.441.228/SP, por meio do qual a Segunda Turma do STJ manteve o acórdão do TJSP que reconheceu a legalidade da regulação de preços do SSE realizada pela Codesp, atualmente Santos Port Authority.

No que diz respeito à ótica civil do SSE, destaca-se a recente consolidação da posição majoritária a favor da cobrança.

Atualmente, já é possível contabilizar 18 (dezoito) acórdãos do TJSP que reconheceram a legalidade da cobrança do serviço, inclusive, na perspectiva da existência de relação jurídica entre operadores portuários e recintos alfandegados retroportuários. Desse total, 7 (sete) foram proferidos em 2019. Outros 2 (dois) são de 2020.

O mais recente julgamento, de agosto, foi na Apelação Cível nº 1033989-50.2017.8.26.0562, em que a 15 ª Câmara de Direito Privado atestou que a cobrança do SSE é a “contrapartida de uma efetiva movimentação e transporte de contêineres”.

Merece destaque também o julgamento proferido, em 2019, pela 23ª Câmara de Direito Privado, no Agravo de Instrumento nº 2092429-59.2017.8.26.0000. De modo categórico, os Desembargadores chancelaram o laudo pericial determinado em 2º grau que comprovou a prestação do SSE, bem como a disponibilidade de pessoal e equipamento necessários.

Também em 2019, o TJSC, nos 3 (três) acórdãos de apelação que já apreciaram a matéria, igualmente, reconheceu a existência de relação jurídica entre operadores portuários e recintos alfandegados retroportuários.

Por sua vez, a novidade na discussão concorrencial veio com três decisões importantes.

Em junho, o Ministro do STJ Sérgio Kukina negou provimento ao AREsp nº 1.537.395/DF, interposto pelo CADE. Assim, manteve o acórdão do TRF da 1º Região que havia anulado condenação da autarquia com fundamento na ausência de infração concorrencial em decorrência da simples cobrança do SSE.

Em breve, o Ministro voltará ao tema na análise de acórdão do TRF da 3º Região que também anulou condenação do CADE acerca do serviço (REsp nº 1.774.301). Nessa oportunidade, o STJ deve reconhecer que a Lei de Defesa da Concorrência não confere ao CADE competência para rever atos normativos e decisórios das agências reguladoras, assim como contratos de arrendamento e de adesão.

Desse modo, deve afastar a punição de operadores portuários com fundamento apenas na alegada existência de posição dominante – supostamente obtida em razão do acesso ao píer de atracação dos navios. Primeiro, porque essa situação decorre diretamente da outorga de exploração portuária exarada pelo governo federal e submetida à regulação setorial. Segundo, porque, ainda que se entenda que operador portuário detém posição dominante, tal fato em si não impõe qualquer juízo de reprovabilidade. Afinal, o que Lei e a Constituição Federal vedam é o abuso da posição dominante.

Além disso, como novidade, vale destacar que, em agosto, sentença do Juízo da 4ª Vara Federal da SJDF, proferida nos autos da ação nº 1023375-03.2018.4.01.3400: (i) declarou o direito de um operador portuário a cobrar o SSE e (ii) anulou o processo administrativo instaurado pelo CADE com a finalidade de coibir a referida cobrança.

Na mesma linha, em julho de 2019, sentença do Juízo da 17ª Vara Federal da SJDF, na ação nº 1005826-43.2019.4.01.3400, reconheceu a nulidade de medida preventiva da Superintendência-Geral do CADE e garantiu a continuidade de cobrança do SSE. Além de reafirmar a legalidade do serviço, a decisão destacou a evidente invasão de competência do CADE na esfera de atribuição da Antaq.

Nesse cenário, é grande a expectativa em torno do julgamento do CADE que vai apreciar novamente o SSE no âmbito do Processo Administrativo nº 08700.005499/2015-51.

Naquele processo, com o aval do Superintendente-Geral, a Nota Técnica nº 7/2020 propôs ao Tribunal Administrativo modular a jurisprudência do CADE acerca do SSE. A sugestão é que, a partir da edição da RN nº 34/2019, a cobrança do citado serviço não seja mais considerada, por si só, ilícito concorrencial. Após esse marco, caberia à autoridade antitruste atuar apenas nos casos concretos em que se verificar abuso por parte dos operadores portuários.

Apesar de ser louvável a evolução, o grande inconveniente dessa posição é ignorar a licitude civil, regulatória e concorrencial da cobrança também em período anterior à RN nº 34/2019.

Assim, na linha das numerosas e robustas decisões judiciais recentes favoráveis ao SSE, o Plenário do CADE poderá aproveitar a oportunidade para rever o seu entendimento sobre a cobrança do serviço. Certamente, será mais um avanço em benefício da segurança jurídica e da estabilidade regulatória do setor portuário.”

 

*Myller Kairo Coelho de Mesquita é sócio de Direito Regulatório e Concorrencial do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados; atua como advogado de associações representativas de terminais portuários.

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